Nos últimos anos, o mercado de apostas no Brasil, mais conhecido como mercado das “Bets”, tem experimentado um crescimento considerável, atraindo tanto investimentos em mídia significativos, quanto a atenção de um público cada vez maior. No entanto, o aumento da atividade nesse setor também tem gerado questões regulatórias complexas que envolvem não só as empresas de apostas, mas também as agências de publicidade responsáveis pela criação e veiculação de campanhas para essas marcas.
A Portaria SPA/MF nº 1.231/2024, que estabelece novos parâmetros para a publicidade no setor de apostas, trouxe implicações diretas para profissionais de comunicação e marketing. Uma das principais preocupações que tem surgido é que, diante desse novo cenário regulatório, as agências de publicidade podem ser responsabilizadas pelas campanhas publicitárias que criam para as casas de apostas. A regulamentação esclarece a figura dos “afiliados”, o que é crucial para entender a extensão dessa responsabilidade.
Destaca-se a definição de “afiliados” no artigo 2º, inciso VI da Portaria nº 1.231/2024:
Afiliados: pessoas físicas ou jurídicas que fazem publicidade para agentes operadores de apostas, mediante compensação, ainda que não financeira, atrelada a resultados, como o número de apostadores captados ou os valores depositados ou gastos.
O artigo 21 da mesma Portaria afirma que os agentes operadores de apostas são responsáveis solidariamente pelas ações de comunicação, publicidade, propaganda e marketing realizadas por seus afiliados. O parágrafo único deste artigo deixa claro que tanto as Bets quanto seus afiliados devem observar as disposições legais e regulamentares, estando sujeitos às penalidades previstas pela Lei nº 14.790/2023 e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990).
Esse princípio de responsabilidade solidária traz uma mudança significativa no modo como as agências de publicidade devem operar dentro deste mercado. Elas não podem mais atuar apenas como intermediárias entre os anunciantes e os veículos de comunicação; agora, elas têm um papel ativo em garantir que todas as ações publicitárias estejam em conformidade com a legislação vigente. E isso implica em conhecer muito bem a legislação específica das Bets, que é muito regulamentada, com mais de trinta portarias do Ministério da Fazenda, através da Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA.
O Código de Autorregulamentação do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é claro sobre a responsabilidade das agências. O artigo 3º do Código do CONAR, por exemplo, estabelece que “todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do anunciante, da agência de publicidade e do veículo de divulgação junto ao consumidor”. Isso significa que a agência de publicidade não pode se eximir da responsabilidade pela mensagem veiculada, especialmente se ela foi contratada para criar e veicular o material publicitário de uma Bet.
Ademais, o artigo 45 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) complementa, afirmando que a agência de publicidade deve garantir que o anunciante (neste caso, a Bet) cumpra as normas aplicáveis, sob pena de ser responsabilizada solidariamente caso a publicidade infrinja qualquer regulação ou prejudique o consumidor. Assim, em casos de publicidade enganosa ou abusiva, a agência pode ser implicada judicialmente ou administrativamente, em uma eventual representação no CONAR, juntamente com o anunciante.
A relação entre as Bets e as agências de publicidade é regida pela Portaria SPA/MF nº 1.231/2024, que atribui às Bets a responsabilidade pela conformidade das ações publicitárias realizadas por suas agências. A norma esclarece que as ações publicitárias feitas por afiliados integram as ações das Bets, implicando responsabilidade solidária.
Isso significa que as Bets não podem transferir a responsabilidade para o afiliado em caso de descumprimento das normas publicitárias. Além disso, é obrigação das Bets firmar contratos claros com suas agências, detalhando as condições de compensação e os critérios legais a serem seguidos.
Para as agências de publicidade, isso exige uma atenção redobrada ao trabalhar com as Bets. A diligência na análise de contratos e a conformidade com as normas de publicidade são fundamentais para minimizar riscos e garantir que as campanhas estejam de acordo com as regulamentações específicas do setor de apostas.
O Código de Defesa do Consumidor também estabelece o princípio da responsabilidade objetiva e solidária entre os fornecedores de serviços e produtos, o que inclui tanto as casas de apostas quanto as agências de publicidade. Esse princípio significa que as agências podem ser responsabilizadas por danos causados aos consumidores por ações publicitárias prejudiciais, mesmo sem culpa. Isso reforça a necessidade de um controle rigoroso sobre as campanhas publicitárias, para garantir que não induzam o consumidor a erro ou o exponham a riscos, como em casos de publicidade enganosa ou que explorem vulnerabilidades do consumidor.
Diante das novas regulamentações e do papel essencial das agências de publicidade nas ações de comunicação das Bets, é imprescindível que esses profissionais se adaptem ao novo cenário legal e ético. A responsabilidade solidária com as Bets impõe às agências o desafio de não apenas garantir campanhas criativas e impactantes, mas também assegurar que as normas legais e autorregulatórias sejam rigorosamente cumpridas, sempre com foco na promoção do jogo responsável.
Neste sentido, as agências que trabalhem para as Bets precisam conhecer, além da Portaria 1.231/24, o Anexo X do CONAR. Dentre as várias diretrizes rigorosas para a publicidade responsável de apostas esportivas, destacam-se:
* Avisos de Advertência;
* Restrição Etária: Todos os anúncios devem conter uma frase que informe a restrição etária para a prática (por exemplo, “18+”);
* Ações Informativas e Preventivas: Devem ser implementadas ações informativas para conscientizar os apostadores e prevenir o transtorno do jogo patológico; e
* Proteção ao Público Infantojuvenil: Além de respeitar o princípio de proteção ao público jovem, o elenco dos anúncios deve ter, e aparentar ter, mais de 21 anos.
Importante se torna destacar que, se houver infração à regulamentação de apostas, há risco de ser aplicada uma das penalidades previstas em lei, que variam entre advertência, multas (de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões, conforme a gravidade e tipo de infrator), suspensão ou cassação de atividades, proibição de obter novas permissões ou participar de licitações, inabilitação para cargos de gestão, com prazos de até 20 anos. A aplicação de penalidades considera fatores como gravidade, duração, reincidência, boa-fé e capacidade econômica do infrator.
Portanto, o papel das agências de publicidade vai além de uma simples execução técnica. Ele envolve uma responsabilidade ética e legal que pode impactar diretamente a confiança do consumidor, a reputação do cliente e, consequentemente, a continuidade do relacionamento comercial. Ao adotar uma postura proativa para garantir a conformidade com as normas, as agências não apenas protegem seus clientes, mas também contribuem para um mercado de apostas mais ético e transparente.